30 janeiro 2016

Aos Pés do Meste - l Discernimento





AOS PÉS DO MESTRE 
por ALCIONE (J. KRISHNAMURTI)

PRÓLOGO
Como mais idosa, foi-me dado o privilégio de escrever algumas palavras de introdução  a este livrinho, o primeiro escrito por um irmão mais jovem – no corpo, mas não na alma. Os ensinamentos nele contidos lhe foram dados por seu Mestre ao prepará-lo para a Iniciação, e foram por ele escritos de memória, lenta e laboriosamente, pois o seu inglês no ano anterior era muito menos fluente do que hoje. É, na maior parte, a reprodução das próprias palavras do Mestre; e o que não é reprodução verbal, é o pensamento do Mestre vestido com as palavras do Discípulo. Duas frases omitidas foram restabelecidas pelo Mestre. Em dois outros casos uma palavra esquecida foi adicionada.

Afora isto, é inteiramente do próprio Alcione e a sua primeira dádiva ao mundo. Que ela ajude tanto aos outros, quanto a ele auxiliaram os ensinamentos orais, tal é a esperança com que nô-la dá. Porém, os ensinamentos só podem dar frutos se nós os vivermos, como Alcione os tem vivido desde que saíram dos lábios do Mestre. Se o exemplo for seguido tanto quanto o preceito, então abrir-se-á para o leitor, como aconteceu ao escritor, o grande Portal, e os seus pés trilharão a Senda.

AOS QUE BATEM...
Do irreal conduz-me ao Real. Das trevas conduz-me à Luz.
Da morte conduz-me à Imortalidade
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PREFÁCIO
Minhas não são estas palavras e sim do Mestre que me instruiu. Sem Ele nada poderia ter feito, porém, com o Seu auxílio, comecei a trilhar a Senda. Tu desejas também entrar na mesma Senda; por isso, as palavras que Ele me dirigiu te auxiliarão, se as obedeceres. Não basta dizer que são verdadeiras e belas; o homem que deseja obter êxito, necessita fazer exatamente o que lhe é ensinado. Olhar para o alimento e dizer que é bom, não satisfaz um faminto; é necessário estender a mão e comê-lo. Da mesma forma, não basta ouvir as palavras do Mestre; é preciso fazer o que Ele diz, atento à menor palavra, ao menor sinal, pois, se uma indicação não for segui- da, se uma palavra for desprezada, perdidas ficarão para sempre, porque o Mestre não fala duas vezes.
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Annie Besant

Este será o primeiro de quatro artigos que irão ser postados aqui neste blogue ao longo da semana.

Quatro são as qualidades necessárias para a Senda:

I – Discernimento.
II – Ausência de desejos (Desapego, abnegação). 
III – Boa conduta.
IV – Amor.

DISCERNIMENTO
Aos Pés do Mestre

Tentarei dizer-te o que sobre cada uma delas o Mestre me ensinou.

I – DISCERNIMENTO

A primeira dessas qualidades é o Discernimento, vulgarmente tomado no senti- do daquela distinção entre o real e o irreal, que conduz o homem para a Senda. É isto; mas é muito mais ainda, e deve ser praticado, não somente no começo da Senda, porém a cada passo que nela diariamente se dá, até o fim. Entras para a Senda porque aprendeste que somente nela se podem encontrar as coisas dignas de aquisição. Os homens que não sabem, trabalham para adquirir a riqueza e o poder, porém estes bens são, quando muito, para uma vida somente e, portanto, irreais. Há coisas maiores do que essas – coisas reais e duradouras; quando as tiveres visto uma vez, não mais desejarás as outras.

Em todo o mundo há somente duas espécies de pessoas – as que sabem e as que não sabem – e o conhecimento é o que importa possuir. A religião de um homem, a raça a que pertence – não são coisas de importância; o que é realmente importante é o conhecimento – o conhecimento do Plano de Deus em relação aos homens. Pois Deus tem um plano e esse plano é a Evolução; quando o homem o tiver visto e, realmente, o conhecer, não poderá deixar de cooperar nele, unificando-se com ele, tal a sua glória e beleza. Assim, pelo fato de possuir o conhecimento, ele está ao lado de Deus, firme no bem e resistente ao mal, trabalhando pela evolução e não com fins pessoais.
Se está ao lado de Deus, é um dos nossos, não tendo a mínima importância que ele se diga hinduísta, budista, cristão ou maometano, ou que seja hindu, inglês, chinês ou russo. Aqueles que estão ao lado de Deus sabem por que aí se acham, sabem o que têm a fazer e tentam cumpri-lo; todos os demais não sabem ainda o que têm a fazer e, por isso, freqüentemente agem de modo insensato, imaginando caminhos para si próprios, os quais lhes parecem agradáveis, não compreendendo que todos são um e que, portanto, só aquilo que o Uno quer pode realmente ser agradável a todos. Seguem o irreal ao invés do Real. E, enquanto não aprendem a distinguir entre ambos, não se colocam ao lado de Deus – e eis porque o Discernimento é o primeiro passo a dar.

Todavia, mesmo depois de feita a escolha, deves lembrar-te de que no Real e no irreal há muitas variantes e o discernimento deve ainda ser exercido entre o bem e o mal, o importante e o não importante, o útil e o inútil, o verdadeiro e o falso, o egoísta e o desinteressado. Entre o bem e o mal não deveria ser difícil escolher, pois aqueles que desejam seguir o Mestre já se decidiram a seguir o bem a todo custo. Porém, o homem e o seu corpo são dois, e a vontade do homem nem sempre está de acordo com a do corpo. Quando o teu corpo desejar alguma coisas, pára e considera se tu és Deus e só queres o que Deus quer; necessitas, porém, penetrar fundo em ti mesmo, para em teu interior encontrares Deus e ouvir a Sua voz, que é a tua.

Não confundas os teus corpos contigo mesmo, nem o teu corpo físico, nem o astral, nem o mental. Cada um deles pretende ser o Ego, a fim de obter o que deseja. Precisas, porém, conhecê-los todos e conhecer-te a ti mesmo como seu possuidor.

Quando há um trabalho para fazer, é quando o corpo físico quer descansar, passeará, comer e beber; o homem que não sabe, diz a si mesmo: eu quero fazer estas coisas e preciso fazê-las. Porém, o homem que sabe diz: Quem quer não sou eu; portanto espere um pouco. Freqüentemente, quando há oportunidade de auxiliar alguém , o corpo insinua: Que aborrecimento isto me trará; deixemos que outro qualquer tome o meu lugar. Porém, o homem que sabe lhe replica: Tu não me im- pedirás de praticar uma boa ação.

O corpo é teu animal, o cavalo que montas. Deves, portanto, tratá-lo bem, cuidar bem dele, não o estafar, alimentá-lo convenientemente só com alimentos e bebidas puros, e mantê-lo perfeitamente limpo, sempre, sem o menor vestígio de impureza. Pois que, sem um corpo perfeitamente limpo e saudável, não podes efetuar a árdua tarefa da preparação, nem suportar-lhe os incessantes esforços. Deves, porém, ser sem- pre tu quem o domine, e não ele o que te domine a ti.

O corpo astral tem seus desejos – e os tem às dúzias; há de querer ver-te encolerizado, ouvir-te dizer palavras ásperas, que sintas ciúmes, que sejas ávido por dinheiRo, que invejes os bens alheios e cedas ao desânimo. Quererá todas essas coisas e muitas outras mais, não porque deseje prejudicar-te, mas por que lhe aprazem as vibrações violentas e gosta de mudá-las continuamente. Tu , porém, não desejas nenhuma destas coisas e, portanto, deves distinguir os teus desejos dos de teu corpo astral.

O teu corpo mental deseja manter-se orgulhosamente separado; quererá que penses muito em ti mesmo e pouco nos outros. Mesmo quando o tiverdes desviado das coisas mundanas, tentará ainda especular acerca de ti próprio, fazer-te pensar no teu próprio progresso, em lugar de o fazeres na obra do Mestre e em auxiliar os outros. Quando meditares, tentará fazer-te pensar nas diferentes coisas que ele quer, em vez da única de que necessitas. Não és esse corpo mental, mas dele dispões para o teu uso; assim, mesmo aqui, o discernimento é necessário. Deves vigiar incessantemente, sob pena de vires a falir.

Entre o bem e o mal, o Ocultismo não admite compromissos. Custe o que custar, deves fazer o bem e nunca o mal. Diga ou pense o ignorante o que quiser. Estuda profundamente as leis ocultas da Natureza e organiza a tua vida de acordo com elas, utilizando sempre a razão e o bom senso.

Deves discernir entre o que é importante e o que não é. Firme como uma rocha em tudo que concerne ao bem e ao mal, cede invariavelmente aos outros nas coisas de somenos importância. Pois deves ser sempre amável, bondoso, razoável e condescendente, deixando aos outros a mesma plena liberdade que para ti necessitas. Procura verificar o que vale a pena ser feito e lembra-te que as coisas não devem ser julgadas pela sua grandeza aparente. Uma pequena coisa de utilidade imediata à obra do Mestre merece muito mais ser feita, do que uma grande coisa que o mundo considera boa. Precisas distinguir não somente o útil do inútil, mas ainda o mais útil do menos útil. Alimentar os pobres é uma boa obra, nobre e útil; porém, alimentar- lhes as almas é ainda mais nobre e mais útil.

Por muito sábio que já sejas, muito terás ainda que aprender na Senda; tanto que nela mesma precisas discernir e meditar cuidadosamente o que deve ser aprendido. Todo o conhecimento é útil, e um dia o possuirás integralmente; enquanto, porém, só possuíres parte dele, cuida em que essa seja a mais útil. Deus tanto é Sabedoria como Amor; e quanto mais sábio fores, mais Ele se manifestará por teu intermédio. Estuda, pois, mas estuda em primeiro lugar o que mais te habilite a auxiliar aos outros. Trabalha pacientemente em teus estudos, não para que os homens te julguem sábio, nem mesmo para gozares a felicidade de ser sábio – mas por que o sábio pode ser sabiamente útil. Por muito que desejes prestar auxílio, enquanto fores ignorante, poderás fazer mais mal do que bem.

Precisas distinguir entre a verdade e a mentira; deves aprender a ser verdadeiro em tudo: no pensamento, na palavra e na ação. Primeiro no pensamento, e isto não é fácil, porque há no mundo muitos pensamentos falsos, muitas superstições insensatas e ninguém que a eles se escravize poderá progredir. Por conseguinte, não deves acolher um pensamento simplesmente porque muitas pessoas o acolhem, nem por ter merecido crédito durante séculos, nem por constar de algum livro que os homens julguem sagrado; deves pensar por ti mesmo sobre a questão, e por ti mesmo ajuizar se ela é razoável. Lembra-te que, embora um milhar de homens concorde sobre um assinto, se nada conhecerem a respeito, a sua opinião não tem valor. Aquele que quiser caminhar na Senda tem que aprender a pensar por si mesmo, pois a superstição é um dos maiores males do mundo e um dos empecilhos de que, por ti próprio, te deves libertar inteiramente.

O teu pensamento acerca dos outros deve ser verdadeiro; não penses a seu respeito aquilo que não saibas. Não suponhas que os outros estejam sempre pensando em ti. Se um homem faz alguma coisa que julgas poder prejudicar-te, ou diz algo que parece ser-te dirigido, não suponhas imediatamente: “ele pretende ofender-me”. O mais provável é que nunca pensasse em ti pois cada alma tem as suas próprias preocupações  e os seus pensamentos não giram, as mais das vezes, em torno senão de si própria. Se um homem te falar colericamente, não penses: “Ele me odeia e quer ferir- me”. Provavelmente, alguém ou alguma coisa o encolerizou e, acontecendo encontrar-te, voltou a sua cólera sobre ti. Procede insensatamente, pois toda a cólera é in- sensata, mas nem por isso deves pensar falsamente a seu respeito.

Quando te tornares discípulo do Mestre, poderás sempre averiguar a veracidade do teu pensamento cotejando-o com o Seu. Pois o discípulo é um com seu Mestre e basta-lhe fazer retroceder o seu pensamento até ao do Mestre, para verificar se ambos estão de acordo. Se não estiver, o pensamento do discípulo é errôneo e ele deve modificá-lo instantaneamente, pois o pensamento do Mestre é perfeito, visto que Ele tudo sabe. Aqueles que por Ele ainda não foram aceitos, não podem fazer isto perfeitamente; porém serão grandemente ajudados se freqüentemente se detiverem a perguntar: “Que pensaria o Mestre a este respeito? Que faria ou diria Ele em tais circunstâncias?” Pois nunca deves fazer, dizer ou pensar o que não possas imaginar que o Mestre faça, diga ou pense.

Deves também ser verdadeiro no falar, exato e sem exageros. Nunca atribuas más intenções a outrem; somente o seu Mestre lhe conhece os pensamentos e bem pode estar agindo por motivos que nunca penetrassem em tua mente. Se ouvires uma narrativa contra alguém, não a repitas; pode não ser verdadeira; e, ainda que o seja, é mais bondoso nada dizer. Pensa bem antes de falar, a fim de não caíres em inexatidões
 .
Sê verdadeiro na ação; nunca pretendas parecer senão aquilo que és, pois todo fingimento constitui um obstáculo à pura luz da verdade, que deve brilhar através de ti como a luz do Sol através de um vidro transparente.

Precisas discernir entre o egoísmo e o altruísmo, pois o egoísmo reveste muitas formas e, quando pensas tê-lo morto, finalmente numa delas, surge noutra tão forte como sempre. Porém, gradualmente, o pensamento de auxiliar aos outros te encherá de tal modo, que não haverá lugar nem tempo para pensares em ti mesmo.

De outra maneira, ainda deves utilizar o discernimento: aprende a distinguir a Deus que está em todos e em tudo, por pior que seja a sua aparência exterior. Podes ajudar teu irmão pelo que tens de comum com ele – a Vida Divina. Aprende a despertar nele essa Vida, aprende a invocá-la nele; assim o salvarás do mal.

Próximos artigos:
II – Ausência de desejos (Desapego, abnegação). 
III – Boa conduta.
IV – Amor.


Aos pés do Mestre
por ALCIONE (J. KRISHNAMURTI)



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