24 julho 2012

Indissolubilidade do Casamento - Divórcio


1 – E chegaram-se a ele os fariseus, tentando-o e dizendo: É porventura lícito a um homem repudiar a sua mulher, por qualquer causa? 

Ele, respondendo, lhes disse: Não tendes lido que quem criou o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea? 

E disse: Por isso, deixará o homem pai e mãe, e ajuntar-se-á com sua mulher, e serão dois numa só carne. Assim que já não são dois, mas uma só carne. Não separe logo o homem o que Deus ajuntou. Replicaram-lhe eles: Pois por que mandou Moisés dar o homem à sua mulher carta de desquite, e repudiá-la? Respondeu-lhes: Porque Moisés, pela dureza de vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas ao princípio não foi assim. Eu, pois, vos declaro, que todo aquele que repudiar sua mulher, se não for por causa da fornicação, e casar com outra, comete adultério, e o que se casar com a que o outro repudiou, comete adultério. (Mateus, XIX: 3-9) 


2 – A não ser o que procede de Deus, nada é imutável no mundo. Tudo o que procede do homem está sujeito a mudanças. As leis da natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os países; as leis humanas, porém, modificam-se segundo os tempos, os lugares, e o desenvolvimento intelectual. No casamento, o que é de ordem divina é a união conjugal, para que se opere a renovação dos seres que morrem. Mas as condições que regulam essa união são de tal maneira humanas, que não há em todo o mundo, e mesmo na cristandade, dois países em que elas sejam absolutamente iguais, e não há mesmo um só em que elas não tenham sofrido modificações através dos tempos. Resulta desse fato que, perante a lei civil, o que é legítimo num país e m certa época, torna-se adultério noutro país e noutro tempo. Isso porque a lei civil tem por fim regular os interesses familiais e esses interesses variam segundo os costumes e as necessidades locais. É assim, por exemplo, que em certos países o casamento religioso é o único legítimo, enquanto em outros o casamento civil é suficiente. 

3 – Mas, na união conjugal, ao lado da lei divina material, comum a todos os seres vivos, existe outra lei divina, imutável como todas as leis de Deus, e exclusivamente moral, que é a lei do amor. Deus quis que os seres se unissem, não somente pelos laços carnais, mas também pelos da alma, a fim de que a mútua afeição dos esposos se estenda aos filhos, e para que sejam dois, em vez de um, a amá-los, tratá-los e fazê-los progredir. Nas condições ordinárias do casamento, é levada em conta a lei do amor? 

Absolutamente! Não se consulta o sentimento mútuo de dois seres, que se atraem reciprocamente, pois na maioria das vezes, esse sentimento é rompido. O que se procura não é a satisfação do coração, mas a do orgulho, da vaidade, da cupidez, numa palavra: todos os interesses materiais. Quando tudo corre bem, segundo esses interesses, diz-se que o casamento é conveniente, e quando as bolsas estão bem equilibradas, diz-se que os esposos estão igualmente harmonizados e devem ser muito felizes. 

Mas nem a lei civil, nem os compromissos que ela determina, podem suprir a lei do amor, se esta não presidir à união. Disso resulta frequentemente, que aquilo que se uniu à força, por si mesmo se separa, e que o juramento pronunciado ao pé do altar se torna um prejuízo, se foi dito como simples fórmula. São assim as uniões infelizes, que se tornam criminosas. Dupla desgraça, que se evitaria se, nas condições do matrimônio, não se esquecesse à única lei que o sanciona aos olhos de Deus: a lei do amor. Quando Deus disse: “Serão dois numa só carne”, e quando Jesus advertiu: “Não separe o homem o que Deus juntou”, isso deve ser entendido segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei instável dos homens. 

4 – A lei civil seria então supérflua, e deveríamos retornar aos casamentos segundo a natureza? 

Não, certamente. Porque a lei civil tem por fim regular as relações sociais e os interesse familiais, segundo as exigências da civilização, e eis porque ela é útil, necessária, mas variável. Deve ela ser previdente, porque o homem civilizado não pode viver como o selvagem. Mas nada, absolutamente, impede que ela seja um corolário da lei de Deus. Os obstáculos ao cumprimento da lei divina decorrem dos preconceitos sociais e não da lei civil. Esses preconceitos, embora ainda vivazes, já perderam o seu domínio sobre os povos esclarecidos, e desaparecerão com o progresso moral, que abrirá finalmente os olhos dos homens para os males incontáveis, as faltas, e até mesmo os crimes que resultam das uniões contraídas com vistas apenas aos interesses materiais. E um dia se perguntará se é mais humano, mais caridoso, mais moral, ligar um ao outro, dois seres que não podem viver juntos, ou restituir-lhes a liberdade; se a perspectiva de uma cadeia indissolúvel não aumenta o número das uniões irregulares.

O Divórcio 

5 – O divórcio é uma lei humana, cuja finalidade é separar legalmente o que já estava separado de facto. Não é contrário à lei de Deus, pois só reforma o que os homens fizeram, e só tem aplicação nos casos em que a lei divina não foi considerada. Se fosse contrário a essa lei a própria Igreja seria forçada a considerar como prevaricadores aqueles dos seus chefes que, por sua própria autoridade, e em nome da religião, impuseram o divórcio, em várias circunstâncias. Dupla prevaricação, porque praticada com vistas unicamente aos interesses materiais, e não para atender à lei do amor. 

Mas nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: “Moisés, pela dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar as vossas mulheres”? Isto significa que, desde os tempos de Moisés, não sendo a mútua afeição o motivo único do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Mas acrescenta: “ no princípio não foi assim”, ou seja, na origem da Humanidade, quando os homens ainda não estavam pervertidos pelo egoísmo e orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, fundadas na simpatia recíproca e não sobre a vaidade ou a ambição, não davam motivo ao repúdio.

E vai ainda mais longe, pois especifica o caso em que o repúdio pode verificar-se: o de adultério. Ora, o adultério não existe onde reina uma afeição recíproca sincera. É verdade que proíbe ao homem desposar a mulher repudiada, mas é necessário considerar os costumes e o caráter dos homens do seu tempo. A lei mosaica prescrevia a lapidação para esses casos. Querendo abolir um costume bárbaro, precisava, naturalmente, de estabelecer uma penalidade, que encontrou na ignomínia decorrente da proibição de novo casamento. Era de qualquer maneira, uma lei civil substituída por outra lei civil, que, por sua vez, como todas as leis dessa natureza, devia sofrer a prova do tempo.

Capítulo 22 – 
NÃO SEPARAR O QUE DEUS JUNTOU
Evangelho Segundo o Espiritismo
Allan Kardec



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